sábado, 30 de maio de 2009

ANÁLISE

Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista

Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me

Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo

Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.


Fernando Pessoa
Off !!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Queda de braço

Às vezes a realidade me convida à uma queda de braço, comigo mesma. Eu olho para certas coisas e o sentimento de indignação pega carona nos meus neutransmissores e a resposta que eu mais desejava não pode se materializar naquele momento. É um sentimento de poder mínimo diante de fatos importantes e que deviam ser mudados, uma impotência. Eu sinto vontade de mudar algumas coisas, não só minhas mas de outros também, e simplesmente não posso. Sei que umas requerem paciência, outras poder mesmo. Mas explique isso à uma mente inquieta quando depara com um sentimento antagônico à ela. A minha lucidez sinaliza que não é o momento oportuno para minha intervenção, seja lá por quais motivos. E quando a poeira abaixa eu tento esperar o tempo certo. Ainda assim, impaciente pra que chegue logo (que hora feliz será essa.) E que infeliz verdade que, entre outras injustiças, o pedreiro que ergue luxuosas casas não tem um teto digno e seu, para enfim descansar do trabalho suado da semana inteira. Vontade de mudar as coisas e sentir como sou pequena diante dos fatos. Queria terminar com uma frase positiva, com uma conclusão otimista. Mas, até aqui me sinto impotente. Só me resta ter paciência e esperar. Talvez o futuro me permita mais potencial de mudança.

Pausa

"Não precisa correr tanto, o que é seu às mãos lhe há de vir"

Machado de Assis - Dom Casmurro

terça-feira, 5 de maio de 2009

Revisitando Clarice 2

" Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros. "
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Clarice Lispector

sábado, 2 de maio de 2009

Revisitando Clarice

“ Sou o que se chama de pessoa impulsiva.

Como descrever?

Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente.

O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.

Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los.

Há um perigo! Se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido.

Estou num impasse.

Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta?

E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura.

Vou pensar no assunto.

E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei. ”



Clarice Lispector*



* Mas poderia ter sido eu quem escrevi, porque é a minha cara.